É vantajoso contratar seguro de responsabilidade civil para o profissional de medicina?

A partir da experiência de clientes médicos que buscaram o escritório por terem se frustrado com contratos que vendem blindagem patrimonial – essa expressão induz à ideia de que os profissionais estarão protegidos contra tudo, inclusive contra a falibilidade humana –  o presente trabalho reúne informações que podem auxiliar a quem busca exercer sua atividade profissional com maior segurança jurídica.

Para tanto, é necessário compreender alguns institutos jurídicos de maior relevância sobre o assunto antes de se concluir se é ou não vantajoso contratar seguro de responsabilidade civil profissional.

Você também pode assistir aos vídeos sobre esse assunto em nossas redes sociais.

O que é o contrato de seguro?

Pelo contrato de seguro, a seguradora obriga-se a indenizar o segurado por prejuízo decorrente de riscos futuros previstos na apólice, mediante a remuneração do seguro, chamada de prêmio, paga à vista ou por meio de parcelas periódicas.

O objeto do seguro pode ser um bem patrimonial ou até mesmo um bem que não tem apreciação econômica, como a vida, parte do corpo humano, um animal, e tantos outros.

Porém, a lei proíbe que o seguro seja feito em valor superior ao do próprio  bem, assim como não é possível cobrir riscos de atos ilícitos e dolosos (quando se tem a intenção de causar dano).

E o seguro nas relações médicas?

Nas relações médicas, geralmente, são oferecidos seguros de bens e de responsabilidade civil.

O seguro de bens garante a indenização por perdas patrimoniais, como a estrutura física da clínica em caso de incêndio, enchentes, furtos, por exemplo.

Já o seguro de responsabilidade civil, visa garantir a indenização de terceiro que tenha suportado perdas e danos a partir do sinistro (evento danoso) ocasionado pelo segurado.

É importante compreender que, em regra, a responsabilidade civil do médico no exercício de sua profissão é subjetiva.

Quero dizer, para que o profissional possa ser condenado judicialmente, é necessário comprovar que a atuação do médico foi culposa (negligência, imprudência ou imperícia) ou dolosa (intencional) – lembre-se que a lei exclui do seguro a obrigação de indenizar por ato doloso.

O que devo observar na contratação de seguro de responsabilidade civil profissional?

O médico deve observar atentamente as seguintes previsões no contrato:

  1. Se o seguro indenizará o terceiro que suportou os danos ou se o pagamento se dará por meio de ressarcimento ao profissional após condenação ou acordo judicial ou extrajudicial;
  2. Quais são os riscos futuros previstos no contrato: são os acontecimentos passíveis de indenização;
  3. Quais são as hipóteses de limitação e de exclusão da seguradora de indenizar pelos riscos garantidos no contrato; e
  4. Qual é o valor total da indenização.

Geralmente, os seguros profissionais têm valor considerável e são ofertados na modalidade básica, que podem ser complementadas com coberturas acessórias.

Desse modo, os riscos assumidos pela seguradora poderão ser extensivos à pessoa jurídica e até mesmo  garantir a indenização em caso de:

  1. Custos emergenciais;
  2. Despesas suplementares;
  3. Honorários retidos (quando o paciente se recusa a pagar pelo serviço médico por entender que houve erro médico);
  4. Omissão de socorro; e
  5. Infecção hospitalar.

A atenção de quem busca seguro de responsabilidade civil profissional também deve ser voltada para pontos que as seguradoras exigem do médico para pagar a indenização contratual. Usualmente são:

  1. O médico precisa ter a autorização da seguradora para celebrar acordo ou a seguradora deve participar das negociações e do processo judicial; e
  2. A defesa do médico deve ser feita por advogado da própria seguradora (ponto relevante abordado no próximo título).

O assunto específico não guarda relação com os conhecimentos de quem exerce a medicina. Por isso, para evitar que o médico se frustre com potenciais expectativas geradas na contratação do seguro, é importante que o profissional conte com o auxílio de um advogado especializado na matéria na hora de fechar o contrato.

O que é blindagem jurídica?

Tornou-se comum a apresentação do seguro profissional como espécie de blindagem jurídica. Porém, como indicado logo no início do texto, não entendo que exista blindagem jurídica.

O uso inadequado dessa expressão supõe a existência de algo que é juridicamente impossível.

Primeiro, porque os seguros profissionais estão relacionados exclusivamente à esfera patrimonial. O seguro não pode impedir as repercussões da falha médica em questões ética profissional e criminal.

Segundo, porque a proteção do médico não se restringe às repercussões que podem resultar em processos judiciais ou ético-profissionais. Os mecanismos de defesa dos interesses do médico também devem se voltar para a sua reputação profissional.

Algumas companhias até oferecem serviços complementares voltados para a gestão de imagem e danos à reputação.

Porém, a natureza do contrato de seguro, de minimizar perdas materiais para a seguradora pelos riscos assumidos, é provável que o foco principal seja apenas patrimonial, deixando a boa reputação profissional e a relação paciente-médico em segundo plano.

Um bom exemplo é a cláusula da seguradora que impõe a condição de a defesa do médico ser realizada por advogado da própria companhia.

Exercendo o seu trabalho, a defesa pela seguradora visa reduzir as perdas da seguradora. Enquanto, se a defesa é feita por advogado de confiança do médico, a intervenção visa proteger a relação paciente-médico, preservando a boa reputação e a carreira profissional conciliada a minimizar danos financeiros.

O erro médico não evidente é outro ponto que pode prejudicar o médico segurado. Isso porque, visando apenas a perda material, as seguradoras costumam conduzir o processo judicial até última instância.

Porém, o prejuízo para o médico pode ser maior do que o esperado. Além de o valor da condenação multiplicar (a atualização e juros incidentes sobre a condenação), o profissional pode ficar vinculado à ação e aos danos à sua reputação por anos.

E a atuação preventiva com foco no paciente?

Caminhando para a conclusão, destaco um valor nuclear do Código de Ética Médica (CEM):

Resolução CFM nº 2.217/2018

Princípios Fundamentais

II – O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.

A partir desse princípio, a atuação médica pautada na ética e com foco no paciente, pode ser vista como instrumento de minimizar a ocorrência dos riscos vistos neste artigo.

Isso porque o atual CEM, elaborado com forte influência das normas humanistas e dos princípios da bioética, que valorizam a dignidade do paciente e do médico, dispõe de instrumentos capazes de responder e solucionar eventuais problemas da relação paciente-médico.

Para ficar mais clara a importância da atuação com foco no paciente, compartilho o caso de um médico que já vinha sendo assessorado pelo escritório e recebido instruções de usar adequadamente os documentos médicos (atestado, formulários institucionais, prontuário, sumário de alta, termo de consentimento livre e esclarecido, contrato de prestação de serviços e outros).

Não sendo imune à falibilidade humana, ele incorreu em erro médio. Porém, sequer foi processado pelo paciente. Estranho, não?

Pois é. Além da assessoria preventiva, a partir do evento, a orientação foi de ter foco no paciente. Em outras palavras, que o médico prestasse toda a assistência exigida pelo caso, inclusive que estivesse presente e acompanhasse a recuperação do paciente, em contato direto.

A forma como a situação foi conduzida demonstra a possibilidade de o profissional, mesmo em uma situação desfavorável, não sofrer qualquer abalo em sua imagem profissional e minimizar as perdas financeiras (se comparada a da que possivelmente suportaria em um processo judicial), quando assessorado por advogado especializado.

Aliás, outros mecanismos podem contribuir com uma relação menos litigiosa (e danosa) com o paciente, a exemplo de se adotar no contrato de serviço médico pacto de negociação amigável antes de ajuizar uma ação.

Portanto, atuar preventivamente e com foco no paciente pode ser a escolha mais vantajosa para quem busca exercer a atividade médica com segurança.

Conclusão

Diante da riqueza de direitos que se relacionam ao assunto, entendo que sim, o seguro de responsabilidade civil para médicos pode até ser um grande aliado do profissional, desde que compreendido o que realmente está se contratando.

No entanto, penso que a segurança jurídica buscada pelo médico não deve se voltar exclusivamente para o aspecto financeiro/patrimonial.

Entender que o exercício da medicina é voltado para a saúde do ser humano, e que deve ser praticada conforme a ética é provável que os riscos inerentes à atuação médica sejam reduzidos, inclusive considerando a reputação profissional e as esferas do direito não alcançadas pela contrato de seguro, o que, muitas vezes torna-se mais fácil para o médico quando conta com a assessoria de advogado especializado.

Pedro Enrique Pereira Alves da Silva

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