A Constituição Federal autoriza a acumulação remunerada de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, desde que não haja sobreposição de horários.
Reconhecendo o interesse de toda a sociedade sobre a impossibilidade de acúmulo de cargos ou empregos públicos, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se pela constitucionalidade da exceção legal que possibilita a acumulação por profissionais da saúde, exigindo-se apenas que haja a compatibilidade de horário entre os dois cargos.
Em 19 de março de 2020, no julgamento do ARE 1246685 RG/RJ, o Ministro Dias Toffoli propôs que a cumulação de dois cargos ou empregos privativos de médicos e outros, desde que haja compatibilidade de horários entre si, destacando que ato normativo não pode limitar as horas da jornada de trabalho do profissional de forma contrária à Constituição Federal.
Trecho do julgamento que obteve maioria dos votos dos ministros em plenário:
As hipóteses excepcionais autorizadoras de acumulação de cargos públicos previstas na Constituição Federal sujeitam-se, unicamente, a existência de compatibilidade de horários, verificada no caso concreto, ainda que haja norma infraconstitucional que limite a jornada semanal.
Isso quer dizer que, excepcionalmente, o médico e os demais profissionais da saúde que podem acumular cargos privativos dos profissionais de saúde, devendo cumprir apenas o requisito de que os horários sejam compatíveis entre si.
E que os atos normativos estaduais e municipais não podem limitar a jornada semanal a 60 horas, pois esse texto contraria a Constituição.
Para que a Administração Pública possa aplicar a limitadora de jornada, é necessário que o ente federativo comprove e ateste a ocorrência de sobreposição de horários ou que o cumprimento das atribuições do médico servidor público está sendo prejudicada pelo acúmulo de cargos ou empregos.
Isso porque a Administração Pública dispõe de instrumentos legais para constatar se o profissional está cumprindo seus horários e suas atribuições a contento.
Profissões privativas da saúde e regulamentadas
O dispositivo constitucional que permite a acumulação remunerada de cargos ou empregos indica que essa exceção somente será possível às profissões regulamentadas e privativas de profissionais da.
Art. 37. (…)
XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico,
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;
É preciso, então, compreender a distinção entre profissional de saúde e profissional da área de saúde. Este abrange todos que exercem suas profissões ligadas à atividade de saúde, a exemplo de todos os empregados de um hospital. Todos os trabalhadores exercem suas funções vinculadas à saúde, inclusive os que atuam na área administrativa.
Já o profissional de saúde tem conceito mais estrito, refere-se apenas ao que, para o exercício de sua profissão, necessita obter título ou conhecimento específico para prestar suas atividades, a exemplo do médico, enfermeiro, dentista, fisioterapeuta, biomédico, psicólogo, nutricionista, farmacêutico, dentre outros.
Assim, a exceção da constituição possibilita a acumulação em cargos privativos dos profissionais de saúde no exercício de profissão regulamentada por lei.
Isso porque a Constituição Federal garante a liberdade no exercício de trabalho, ofício ou profissão (inciso XIII do art. 5º), mas somente serão regulamentadas aquelas tratadas por lei (art. 22, inciso XVI e parágrafo único).
Portanto, a acumulação exige que os cargos sejam de competência privativa de profissionais de saúde e que sejam regulamentados por lei, sob pena de ser vedada a reunião de empregos públicos remunerados por um profissional.
De olho na remuneração
Com a possibilidade de acumulação de cargos ou empregos públicos, o médico deve saber que sua remuneração será limitada ao chamado “teto constitucional”, estabelecido no inciso XI do art. 37 da Constituição:
Art. 37. (…)
XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;
Isso significa que a remuneração obtida em cada um dos cargos públicos nunca poderá ser superior ao subsídio de Ministro do STF, em cargos federais, do Prefeito e do Governador, quando o cargo for desempenhado no âmbito do executivo do Município e do Estado ou Distrito Federal, respectivamente.
As regras previdenciárias seguem as de acúmulo de cargo, Portanto, excepcionalmente, será possível o acúmulo de aposentadoria respeitando as hipóteses previstas no inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal e de receber os proventos em acúmulo com a remuneração de cargos em comissão e eletivos.
Acúmulo de cargos em mais de uma esfera de Poder
O texto constitucional aplica-se a todos os servidores que trabalham no âmbito da administração pública direta, indireta ou sociedades controladas pelo Poder Público. Porém, a regra não faz distinção se a acumulação de cargos ou empregos públicos em esferas de governo distintas.
Assim, a lei deve ser interpretada da forma mais restritiva, possibilitando a acumulação inclusive de cargos em Poderes diferentes, exemplificativamente, cargos em duas unidades da federação, ou um deles de âmbito federal e outro municipal ou estadual.
A autorização restringe apenas ao limite de dois cargos ou empregos públicos e que não haja sobreposição de horário entre eles.
Conclusão
Portanto, é possível a cumulação de cargo ou emprego público por profissional da saúde no exercício de profissões regulamentadas, desde que não haja sobreposição de horas ou prejuízo à atividade, hipóteses que podem ser comprovadas pela Administração Pública.