Entrevista: Reajuste do valor da locação e o IGPM em 2021

Considerando que o IGPM/FGV nos últimos 12 meses somou 32,02%, em abril de 2021, e que a maior parte dos contratos de locação o adotam como índice de reajuste, muitos locadores e locatários entraram em conflito sobre a revisão do valor da locação.

Em 10/05/2021, o advogado Pedro Enrique Pereira Alves da Silva concedeu entrevista ao portal Globo, para esclarecer a dúvida de muitos.

Como o reajuste do contrato de locação é tratado pela legislação brasileira?

Em um primeiro momento, é preciso compreender que o reajuste do valor do contrato é uma forma de restabelecer o equilíbrio econômico contratual, no sentido de deixar o valor da locação o mais próximo do real, recompondo a perda do valor da moeda em determinado período.

A Lei nº 8.245/1991, que regula a locação de imóveis urbanos, não discrimina qual índice e como deve ser feito o reajuste do valor do contrato, cabendo aos contratantes negociar sobre o reajuste, inclusive durante o curso do contrato.

Art. 18. É lícito às partes fixar, de comum acordo, novo valor para o aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste.

E, não havendo acordo sobre o reajuste, tendo o contrato existido por pelo menos 3 anos, será possível que o locador ou o locatário promovam ação revisional para ajustar a prestação ao valor de mercado.

Art. 19. Não havendo acordo, o locador ou locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado.

Quando pode haver o reajuste do valor da locação?

Sempre que houver previsão contratual, respeitando o período mínimo de um ano, conforme estabelece o §1º do art. 2º da Lei nº 10.192/2001.

Lei nº 10.192/2001 (Dispõe sobre medidas complementares ao Plano Real)

Art. 2º. É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano.

§ 1º. É nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano.

Caso o contrato de locação não preveja a possibilidade de reajuste, aplicar-se-á a regra dos art. 18 e 19 da Lei de Locações. Quer dizer, os contratantes devem estar em comum acordo. Não havendo acordo entre eles, deve-se aguardar o prazo de 03 anos. 

O que é o IGPM? Esse índice atende à finalidade dos contratos de locação?

O índice geral de preços e mercado é a média ponderada entre três índices distintos: o índice ao produtor; ao consumidor; e de construção civil. Sendo que o valor das commodities e do combustível compõem o seu alcance, são fortemente influenciado pelo valor do dólar.

Como já dito, não há lei que determine a sua adoção para os contratos de locação, embora quase sempre seja esse o índice previsto nesses ajustes.

No entanto, nos últimos 12 meses, o IGPM não serviu ao interesse dos contratos locatícios, pois foi além do restabelecimento do real valor da locação, e acabou por impor o enriquecimento do locador às custas do locatário.

O contrato está vinculado ao IGPM? 

Temos que saber o ordenamento jurídico, além das normas previstas, também deve seguir princípios para o exercício de direitos e deveres, como o da lealdade, boa-fé, da não-surpresa, da autonomia negocial, de que o pactuado deve ser cumprido, dentre tantos outros.

Dando destaque ao princípio de que o pactuado deve ser cumprido, que tem por finalidade proporcionar segurança jurídica aos contratantes, em um primeiro momento, a resposta é de que sim, tanto o locador quanto o locatário estão vinculados aos termos do contrato.

É possível afastar a incidência do IGPM?

O art. 19 da Lei 8.245/1991, possibilita sua revisão, para readequar o valor da locação ao preço de mercado, desde que o contrato já esteja em execução há pelo menos 3 anos.

Outra forma de afastar a incidência do IGPM seria utilizar-se da teoria da imprevisão. Em outras palavras, o locatário deve demonstrar que, por fato imprevisível – no caso, os fatores que influenciaram no índice – elevaram o valor da prestação a valor desproporcional, na forma do art. 317 do Código Civil Brasileiro.

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Como melhor forma de compreender a teoria da imprevisão, o contratante deve responder a si: Se eu estivesse firmando o contrato agora, sabendo do índice que seria reajustado no próximo ano, 32,02%, eu iria alugar o imóvel? 

Provavelmente, não. Isso porque, há um ano, o IGPM  era de 0,55% ao mês e, sem que fosse possível prever, nos últimos 12 meses, a média foi de mais de 2,5%.

Ou seja, o desenvolvimento das cláusulas contratuais devem respeitar as condições existentes no momento da contratação. Essa seria a possibilidade de modificação da cláusula que instituiu o IGPM para, equitativamente, modificar a cláusula de reajuste.

Como devo proceder? 

Antes de buscar o judiciário, é aconselhável que o locatário busque negociar diretamente com o locador. Demonstrar que o IGPM não atende à finalidade de reequilibrar as condições financeiras do contrato, sobretudo neste momento, em que, como consequência econômica da pandemia da Covid-19, diversas famílias sofreram perda salarial e até mesmo do emprego.

Não sendo alcançado acordo com o locador, então, deve-se buscar a pacificação da situação pelo judiciário, seja para a revisão do valor da locação ou seu índice, ou até mesmo para a extinção do contrato sem que haja qualquer ônus para o locatário.

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

Incide o CDC sobre as relações locatícias?

Não. A natureza do negócio já é tratada por lei própria, e os contratantes não se amoldam aos conceitos de consumidor e fornecedor, Questão já pacificada pelo STJ.

Como o judiciário está se posicionando sobre a substituição do IGPM?

Desde o ano passado, com os efeitos jurídicos-econômicos decorrentes da pandemia, observamos que os contratos de locação, residencial ou não, passaram a sofrer com interferência de decisões judiciais, visando restabelecer o equilíbrio dos contratos.

Ano passado, em razão da paralisação de diversas atividades comerciais, situação que espelhava a teoria da quebra da base objetiva do contrato. Agora, em razão do número alcançado pelo IGPM.

As decisões atuais ainda não são homogêneas, pois, como afirmado acima, existem direitos e garantias contrapostos e, por mais que pareça ser óbvio para todos que o índice superior a 30 pontos percentuais se revela exagerado e desproporcional, a contraposição à segurança jurídica que se tem a partir da assinatura de um contrato, deve ser bem fundamentada. Confira decisões recentes:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REVISÃO DE VALOR EM CONTRATO DE LOCAÇÃO. TUTELA DE URGÊNCIA. Decisão que indeferiu o pedido liminar para redução do valor pago a título de aluguel. Autora que alega que contrato previa revisão anual pelo índice IGPM, o qual foi apurado na porcentagem excessiva, pedindo a substituição por outro índice. Ausentes os requisitos para antecipação da tutela. Conveniência de aguardar a instauração do contraditório. Decisão mantida. Recurso não provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2051192-06.2021.8.26.0000; Relator (a): Ana Lucia Romanhole Martucci; Órgão Julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; Foro de Itaquaquecetuba – 3ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 26/3/2021; Data de Registro: 26/3/2021)

LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. MEDIDA LIMINAR. ORDEM DE REDUÇÃO DO VALOR LOCATIVO E DE SUBSTITUIÇÃO PROVISÓRIA DO ÍNDICE DE REAJUSTE (IGPM) PELO IPCA, EM RAZÃO DO ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA. NOTÓRIA AFETAÇÃO DAS CONDIÇÕES FINANCEIRAS DA AUTORA, COMO CONSEQUÊNCIA DAS MEDIDAS RESTRITIVAS IMPOSTAS PELAS AUTORIDADES SANITÁRIAS, COM VISTAS AO ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA DE COVID-19. PLEITO DE REVOGAÇÃO. DESACOLHIMENTO. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS AUTORIZADORES DA MEDIDA DE URGÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO. 1. Houve o reconhecimento do estado de calamidade pública e é notório que, em razão da adoção de medidas restritivas de emergência, voltadas ao enfrentamento da pandemia da covid-19, em especial o isolamento social, geraram graves consequências à autora, o que propiciou sérias dificuldades para o funcionamento de suas atividades. 2. É inegável que o fato provocou o desequilíbrio no relacionamento das partes, tornando necessária a revisão, e essa providência não pode tardar, de modo que se faz necessária a pronta atuação jurisdicional, para assegurar resultado efetivo. 3. Mostra-se perfeitamente viável a substituição provisória do índice de reajuste (IGPM) pelo IPCA, mais condizente com a realidade econômica, considerando que nas circunstâncias atuais, o critério de reajuste contratado se tornou injusto e implica desequilíbrio entre as partes. 

(TJSP;  Agravo de Instrumento 2081463-95.2021.8.26.0000; Relator (a): Antonio Rigolin; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro de Barueri – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/05/2021; Data de Registro: 04/05/2021)

Seguindo a tese de que o índice se enquadra em hipótese da teoria da imprevisão, diversos julgados vêm adotado índices como o IPCA e o INPC, que estariam melhores alinhados às consequências econômicas da pandemia e da população, nas casas de 5 a 8%.  

Por isso, a situação deve ser analisada e acompanhada por advogado de sua confiança.

Projeto de Lei 1026/2021

Há na Câmara o Projeto de Lei nº 1026/2021, que deve ser votado ainda no mês de maio, e tem como objeto limitar o percentual de reajuste das locações ao da inflação, que é medida pelo IPCA e que, em tese, reflete o real custo de vida.

O valor até poderia ser superior ao IPCA, no entanto, seria necessário a anuência do locatário.

Para nós, além de a autonomia já ser conferida aos contratantes, a indicação de um índice para o reajuste poderia resultar no que estamos passando neste momento: o índice poderá não atender à sua finalidade, prejudicando um ou ambos os contratantes.

Conclusão

Portanto, a negociação é o melhor caminho para locador e locatário. E, se for firmar contrato de locação neste momento, principalmente em razão da incerteza do cenário econômico, os contratantes devem valer-se da autonomia de negociar sobre o valor e condições do reajuste do contrato para indicar um índice que represente as intenções do contrato, mas que respeite um tento, de 10%, por exemplo. Ou mesmo estabelecer que as partes devem negociar ou se submeter à mediação para solucionar eventual confronto na hora do reajuste.

Pedro Enrique Pereira Alves da Silva

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